sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Vermelhidão

 Ela não sabia se decidir...
e não era uma coitada por isso,
na verdade era a mulher mais corajosa com a qual eu
havia me encontrado.

 Aprendi a conhecer-lhe pelos lábios:
quando laranja: não sabia bem o que decidiria nessa noite;
quando vermelho-vivo, quando sangue: era apenas carne e não havia sequer uma parte sã;
quando cereja: amor, doçura, carinho;

 E sabia bem onde encontrá-los,
tinha o endereço de cada um deles.
 Caminho certo, telefone fixo ou móvel,
todas as outras estariam ali, no mesmo lugar esperando por ela.

 Encantadora e sutil,
a maior vantagem era que ela
teve por sorte, por coragem ou até por garra,
todas as outras em uma só.

 Sob a luz da Lua,
lembrando ou não do misticismo,
sempre se encontravam.

 Era muitas em uma só,
como aqueles objetos modernos,
mas era em meio àquilo tudo,
apenas amor.

 Sobre o vermelho:
uma coleção de batons.
 Sobre a personalidade;
fantasiosa sobre tudo.

 Era a dama DO vermelho,

 Não disse DE vermelho,
porque era ela quem decidia,
quem dominava sobre si e sobre a cor,
e não importava o que iam pensar sobre ela.

 Sempre soube que debaixo
dos lençóis nunca importou
que seguisse um padrão.

 Vermelho foi a cor que escolheu,
porque tinha suas horas de serenidade,
mas sempre soube o tanto e quando era intensa.

 Sobre a intensidade:
era sua essência.
 Sobre parar pra pensar:
nunca teve esse hábito.

 Foi a mulher mais livre que pude conhecer,
foi a mais autêntica,
nunca se permitiu depender de nada e nem ninguém,
sempre se disse valiosa e nem todos acreditavam.

 E eu a observava..

 E sempre soube,
sobre os ombros um xale,
que não a cobria completamente,
era translúcido e deixava um ar de mistério no ar.

 Me olhava por sobre o ombro esquerdo,
e pensava que eu não percebia.

E me percebia olhando-a,
e um dia, como que falasse à alguém dentro de si,
disse:
 _ Ele não para de te olhar,
pena que não sabe...: que hoje seus lábios estão nus!

 Eu nunca entendi qual era o significado de
seus lábios, por acaso, ou por sorte, ou azar, estarem nus...

 Mais tarde,
no noticiário, me veio a notícia de sua morte...

 Aquele era um sinal para salvá-la,
para deixá-la sentir-se livre,
para ir falar com ela,
deixar com que me seduzisse,
para sentir-se viva novamente,
pois a outra havia partido,
por acaso, ou por dor, ou por sorte, ou azar...

 Não pude conhecê-la melhor,
não pude perguntá-la,
maldita timidez!

 Sobre ela, sei muito,
e ainda assim me é quase nada
perto do que poderia ter descoberto, ou provado ou aprendido...

 Sei que sobre ela,
nunca mais haverá novas outras...

 E nunca mais me confundirei dentro dos vermelhos,
pois ela me ensinou de longe,
à distingui-los,
por desejo, ou por observação, ou por dor, ou por simpatia...
todos os tons de vermelho por ela,
mesmo que indiretamente e sem intenções,
me foram apresentados.
todos os tons e seus sentidos,
essa cor que fala sua própria língua,
que por si mesma fala todas as outras,
me foi ensinada por aquela mulher que sendo de tantos mistérios,
nunca soube se esconder do mundo,
que sempre se mostrou e nunca foi compreendida...
que nunca quis fazer a escolha para que ficasse apenas com uma...

  À mulher dos lábios vermelhos,
de carne, de talvez, de desejo, de dor, de hoje não!,
de sim e de não, de amor, de ódio febril...

  Àquela mulher...

                                                        Théo.