sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

A travessia

Eu tenho doído
E posso assegurar
Que a dor do amor não dói tanto
Que essa dor parece imensurável
Já a dor amor 
(ou a do fim dele, aquela de se transformar em outra coisa)
Na verdade não dói
Arde

O amor deixa marcas
Mas essa dor que tenho sentido
Dor de uma outra coisa
Ela me cala
E não deixa vestígios
Não me deixa nem respirar em paz

É uma dor funda
Inflamada
Ardida
E marcada

É uma angústia que parece que não tem fim

Eu tenho doído
Mas não tenho chorado
Porque essa é uma dor perdida
Daquelas que são capazes de desnortear
Se é que você me entende
Daquelas que doem taanto
Que te fazem perder a noção do tempo

Uma dor de fim
Mas que fim é esse que nunca chega?!
Se eu nunca fui forte demais
Pra vê-lo chegar

Uma falta de ar
Acompanhada da fiel escudeira
Uma dor profunda no peito
Que parece que vai te matar

E o pensamento é esse mesmo:
"- Se dessa vez não acabar por si,
Eu mesma dou um fim nela"

Dá o que?!
Falta coragem
Mas também falta tesão em ficar
Falta curiosidade do lado de lá
Mas também coragem do lado de cá

O que sobra é o medo
Que a cada dia me sufoca um pouco mais
Que é o que me faz bater essa dor
É o que me causa a ânsia
Que me leva ao ímpeto do quase
O que me traz o gosto
E o que me faz não partir

Não sei se vou voltar.

Ingrid Nogueira. 

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Lembrança da janela

Lá no bordel era lei,
A gente não conseguia nem se vestir de tudo,
Era tanta energia,
Tanto calor e sedução e beleza... 

Eu lembro dessa encarnação... 

Você também estava lá.
Eu lembro dos teus olhos.
Eram tantos corpos,
Mas não podíamos ter o que desejávamos,
Porque não era bem visto.

As orgias,
Eu lembro dos seus olhares,
Era quando conseguíamos trocar nossas carícias pessoais.

Eu sempre te esperava chegar dos seus chás,
Te esperava na janela.
Namoradeira não! 
Não éramos mulheres com quem se namorasse... 

Eu te esperava mulher da vida,
Puta, dada aos prazeres...
P'ros homens era propaganda dos serviços, 
Pra você era mulher!

Me lembro ainda do medo,
Da vontade,
Dos quase... 

Lembro quando você me ensinou a fingir,
E de como você não conseguia fingir pra mim. 
Eu lembro também do basta,
De quando fomos apanhadas,
De quando você me trancou,
De quando rasgava as minhas roupas de urgência, 
Eu lembro de quando me proibiu de me vender,
Eu lembro bem daquela noite,
Daquela briga... 

Lembro de quando você me olhou 
Da mesma janela onde eu costumava te esperar ansiosa... 
Eu era quem olhava de fora agora,
Sinto ainda o ardor no peito,
Eu sinto a dor.

A do tiro, e ainda mais a da posse, a da traição... 
O gosto do sangue,
A perda da égua de entre meio as pernas,
A sua perda do peito,
Você fez, com aquele tiro, uma porta de saída, 
Você foi embora de mim junto com o sangue que me escapava.

Eu sinto ainda hoje as lágrimas que te escorreram dos olhos
E que caíram na minha testa, 
Bem no lugar onde você me beijou... 

Eu te perdoei, 
Lembro bem disso... 
Eu te amei,
E ainda nessa vida,
Eu te amo.

Não corro o mesmo risco.

Ingrid Nogueira.