quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Utópica

Era uma cabeça que flutuava
uma cabeça flutuante,
e não sentia os próprios pés.

Não comandava o próprio corpo,
e vivia com o inimigo,
era como se o ser de baixo
quisesse machucá-la a todo tempo,
a cada inspirar.

Mas sempre foi uma cabeça atraente,
sempre rodeada de mistério,
era uma cabeça pensante,
dessas que brilham,
das raras que não se vê por aí
todos os dias...

Era também uma voz,
que nunca se ouvia
senão em breves
e acertadas colocações.

Era uma presença
da qual muito se dizia,
uma presença que arrebatava,
que preenchia qualquer lugar,
que roubava todas as atenções
sem o mínimo sinal de esforço,
Era apenas um estar...

Que estava,
que era,
que pulsava insistentemente,
incessavelmente,
num bater ritmado,
e leve, mas estrondoso.

Era trovão,
no meio da própria calmaria,
era potável em meio de qualquer mar...

Era o que rouba o foco,
sempre saqueou atenções,
e sempre a exigiu,
sem mesmo o som de qualquer palavra,
sem um fio sequer de intenção...

Era espontaneidade em essência,
era sorriso, meio torto,
risada de certo um tanto rouca,
era choro que alaga,
e gritos que trovoam,
eram passos firmes,
que nunca cambaleavam,
que não se permitiam tropeçar.

Era plenitude,
portanto,
nunca deixou de ser.

Aquela mulher ainda é,
e nunca vai deixar de ser,
Nem vai se deixar esquecer.

Por que ninguém esquece essa mulher
nem se quiser.

Ela impera os sonhos,
e prometi que esqueço tudo nessa vida,
mas ela ainda vai caminhar comigo,
de mãos dadas dentro do peito.

Ela é um caleidoscópio
multifacetada,
mas é única,
é ideal,
mas não sabe disso,
e nem tem essa preocupação.

Ela é utopia,
e dança plena,
e desliza pelo asfalto,
como se o calor não incomodasse...

O calor que dela emana
é que aquece tudo a sua volta,
e finge que não sabe..

Não tem digitais,
porque não tem mãos,
ela toca ao olhar,
e o brilho daquele olhar
é o que deixa marcas.

Tenho uma cicatriz no peito,
foi seu olho,
mas quando a cicatriz apareceu
não doeu, não!

Ela me acarinhou
com aquele olhar terno,
meu peito decidiu se abrir,
mas ela decidiu partir,
foi embora,
e me deixou as lembranças...

Eu amo quem não é,
foi utopia e liberdade,
sua partida não foi dolorida,
nem surpresa,
foi a ida
para o reencontro.

Reencontro esse que
espero em paz,
no cais que construí na baía
logo ali,
em frente a minha casa,
o cais fica nos meus olhos,
e o brilho de todas as tardes
se faz saudoso de sua presença...

As lágrimas que lavam meu rosto
são o mar que decidiu desbravar,
meu peito continua aberto,
as cortinas insistem em
balançar ao mínimo sopro,
elas dançam por que ela gostava de ver,
e dizia que era a dança
que ela queria fazer,
que queria ter a leveza
das cortinas que eu comprei
pra pôr no nosso quarto,
que queria se sentir parte daquilo,
se sentir pertencendo àquele lugar,
mas ela tinha a alma cigana,
e não pude ir...

Ainda sinto o cheiro dela,
era o perfume das brisas mansas,
me abraça todas as manhãs,
e então parte novamente...

                                 Ingrid Nogueira.