segunda-feira, 26 de março de 2018

Nada de abraços,
ele era louco,
e não podia ser tocado.

Eu não estava lá,
mas pude sentir sua dor,
a solidão que ele sentia,
à qual ele era todos os dias submetido.

O castigo era muito maior
do que ele poderia suportar.

Ele era contagioso,
mas não foi contaminado,
nascera assim.

Ele era feliz,
e o mundo todo
era cinza.

Suas cores o obrigaram
à dor,
ou melhor, por suas cores
o obrigaram à dor.

Ele precisava de alguém,
mas todos ali ignoraram esse fato,
não o trataram como
humano,
mas por ele tudo bem,
ele já não o era,
com toda certeza,
e bem o sabia.

Ele era um ser que testemunhou
sua própria evolução,
não pertencia mesmo mais
à roda de convívio
da qual fora excluído,
mas ainda pertencia àquele corpo,
e até esse direito o negaram,
covardes e temerosos que eram,
o condenaram a uma morte fria
e desacompanhada.

Uma injeção letal,
rápida e fria
fez da despedida
dois piscares quase infindos
de olhos,
ele já não sentia mais dor,
seu corpo estava em estado
de êxtase,
o que o fez ejacular antes de morrer,
poucos segundos e
mais emoção que todo
o resto miserável da sua vida,
tentando ser aceito pelos outros.

Ele já não sentia mais frio,
nem dor,
ele só sabia existir,
se desligou do corpo físico,
e limitado,
era agora plenitude em tudo,
era completo em si mesmo.

E contemplava o mundo sem suas cores,
criou seu próprio mundo,
ele era agora um deus,
e não fazia diferença,
era pleno e não precisava de aprovações.

E se morrer for
a porta de limitação para a divindade?


                               Ingrid Nogueira.
Um revólver na cabeça,
foi direto
apontado para a têmpora direita,
pra não haver o risco do erro,
pra não haver o perigo da vontade,
da volta,
da desistência...

Ela estava decidida.

Suas mili-helenas não adiantavam
nem sequer para fazê-la voltar atrás,
mas isso por que a fizeram acreditar
que não era mais necessária a sua presença.

Não apenas naquela sala,
mas onde fosse,
fizeram com que
ela se matasse,
porque mulher bonita
só serve pra ser bonita calada,
mulher não tem que pensar.

E ela cansou,
e queria também ter
a liberdade de amar
como qualquer homem tinha,
e ficava ainda mais indignada
por ver o quão tolas eram as suas decisões.

Ela se matou de tanta falta de liberdade,
e a sua alma era livre,
precisava de autonomia,
ela precisava viver.

O meu peito chorava a cada lembrança,
meus olhos eram frios,
já não se concentravam em nada mais,
a única coisa que soube proferir
com os lábios trêmulos,
e olhos longínquos,
foi: "SEHNSUCHT".

Foi baixinho,
eu compreendia,
mas ninguém mais.

Tínhamos assuntos nossos,
e apenas as duas conhecíamos
essa palavra na cidade,
duas mulheres bem letradas,
que decidiram viver vidas proibidas,
amores proibidos,
que escolheram por uma vida plena,
pelo perigo de sermos tidas como loucas.

Meus olhos lacrimejaram apenas uma vez,
por não ter tido coragem de estar ao lado dela,
ou por não ter podido arrancar aquela arma da mão dela,
ou mais ainda,
por não tê-la beijado antes da partida.

E por não tê-la acompanhado,
vou pagar no resto de vida que ainda me é guardada,
pela falta de segurança,
ou pela falta de coragem,
por ter escolhido vê-la livre e feliz,
pela covardia de decidir ficar.

Eu sigo pelo caminho da loucura,
e agora desacompanhada.
Ela decidiu partir,
e eu não fui capaz de acompanhá-la.

Não tem mais graça ser diferente,
nem ser louca,
as pessoas têm medo de mim,
elas me chamam de louca e nem me conhecem,
elas não me pertencem a realidade,
elas não me apetecem a alma,
eu não as vejo,
porque ignoro,
eu não as sinto,
porque elas não fervem
e por esse motivo,
não servem.

São mornas
e suas dores não ardem.

Elas não queimam,
e meu coração não aceita nada
abaixo de 50ºC.

Eu assumo o risco da queima,
e ela o assumia comigo,
e agora queima de onde eu a posso assistir.

Ela dança porque sabe
que eu sou sua plateia
mesmo que há uma distância imensurável,
ela sabe que a ela eu pertenço,
por decisão própria.

O calor dela me alimenta,
e o meu a ela,
o desejo do meu corpo hoje,
passa da loucura,
e sua arma ainda está
na cabeceira da nossa cama,
é um convite pra reencontrá-la.


                                          Ingrid Nogueira.