quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Nós que corremos entre lobos

Eu pensei em começar por
"Só pra constar"
Mas não dá
É que além de constar,
Tem que contar
Minha voz tem que contar
Minha dor tem que contar
Talvez eu esteja novamente redundante
Mas não teria necessidade se realmente contasse
Quando eu digo de mim,
Não digo apenas de mim
Mas das mulheres
E digo mais das negras
E das lésbicas
Eu digo da dor da mulher
Que já não aguenta mais a violência velada
Que já não vai mais se calar
Enquanto sua dor realmente não contar
Enquanto a gente só constar
Você vai querer nos calar
A gente sabe e não desiste
A gente sabe e resiste
A gente reexiste
Pra que você nos veja
Pra começar a contar
A gente vive 2, 3, 4....
Milhões de vezes
E cada vez mais forte
A gente insiste
Insiste em viver
Insiste em sorrir
Insiste em se mostrar
Insiste em ser insuportável
Até que a gente não precise mais
Insistir que a nossa dor conta
Precisa contar!
E quando eu digo você,
Não digo apenas de você
Que apesar de tudo
Fala de você como indivíduo,
Mas digo de você no total
Que não Nos vê
Que não Nos ouve
Que não Nos sente
A gente insiste
Insiste sim em crescer
Insiste em enriquecer
Insiste em ser
Porque se a gente não aparecer
A gente continua a morrer
Talvez, mas só talvez
Numa possibilidade muito, muito distante,
A culpa dessa situação não seja sua
Mas pára pra pensar
Se você entra em debate,
Se briga na boate
Quando vê uma pessoa estúpida
Objetificando uma de nós
Mesmo que de forma velada
Pensa só se você questiona palavreado,
Piada, "cantada" escrota se é algum amigo seu que usa
Amigo mesmo respeita e questiona
Por que cá pra nós,
Amigo que é bom,
Quer melhora
Mas veja lá
Eu não tô aqui pra apontar
Eu tô aqui pra questionar
Pra te fazer pensar
Eu aqui,
Aqui na frente
Exposta
Tô tentando ser sua amiga
E tô tentando sobreviver
E garantir que você
Não tenha peso negativo
Ao ver uma de nós sofrer
Tentando garantir que você entenda
Que você depois disso
Faça sua parte comigo
Que ouça esse meu conselho duro
E pra nós, se torne também um porto seguro
Porque a nossa solidão começa
Muito antes de relacionamento amoroso abusivo
Pra que nossas filhas não se sintam sozinhas
Pra que elas se sintam seguras
Pra que você
Isso mesmo, você se torne uma pessoa melhor
Eu sei que é duro
É foda escutar isso aqui
Logo nesse lugar
Lugar de acolhimento
Lugar de poesia
Eu sei que é pesado ouvir isso aqui
Pensa então no quanto é difícil
Falar aqui
Dar um grito de socorro
Logo aqui
Lugar de poesia
Lugar de delicadeza
Lugar de confiança
Mas é que talvez esse seja meu último dia
Talvez seja minha última poesia
E eu não posso me deixar morrer sem
Tentar dar uma força pra minhas irmãs
Eu até pediria desculpa pela
Pseudoagressão
Pela minha forma agressiva
Mas a gente sofre tanto
E chora tanto
Eu não preciso me desculpar
A gente sempre tenta conversar com jeitinho
E cheia de dedo
E o mundo não tem dó não
Provavelmente você tnha sido levado cheio de dedos sempre
Por toda a vida e em todos os lugares
Mas a gente precisou se acostumar com a marca desses mesmos dedos
Que te levaram com cuidado,
Marcados na nossa alma
Dedos que nos apontavam
Que nos tocaram
E que nos marcaram
Então agora chega
Se for pra ser cheia de dedos,
Eles vão ser fechados e fortes
Em punhos cerrados
Pra me proteger
À mim e às minhas
Fica esperto
Que a gente chegou
Pra insistir
Vai me ouvindo aqui
Que ainda tô mansa
Não queira ter que puxar minhas rédeas pra me acalmar
Porque aqui
Nesse lugar de poesia e dor
Nesse lugar de beleza e euforia
Bem aqui
Não vai haver rédeas pra puxar
Eu as travo nos dentes
E não vai ter 1000 de você
Que consigam me acalmar
A gente corre em matilha
Então fica bem esperto
Aprende agora
Pra nossa fúria não precisar enfrentar

       Ingrid Nogueira.

Aprendi a lutar de olhos fechados
Você não entende isso, eu sei!

Aprendi a não olhar pra dor do outro
Mas
Você não entende isso, eu sei!

Você!
Justo você,
Que diz que me vê

Você, homem
Que não se importa com a minha dor
Que pelo contrário,
É o próprio causador...

Você diz que me vê
Mas você me olha
E não passa muito disso não

Você me olha numa esquina
Sendo noite ou não
Sendo calor ou não
Isso independe da roupa que eu escolhi usar

Você me olha em casa
E machuca com suas palavras
Você que me abandona
E machuca com o olhar
Você que me julga
E prefere me olhar

Me olha dormir, acordar despenteado
E ainda bagunçada, não deixa de me desejar

E não vem m contestar com esse papo
De que mulher precisa se sentir desejada
Que o tipo desse seu desejo me machuca

Você é covarde!

Você me olha da pele pra fora
E opta por não ver a dor que me causa

E quando eu digo de mim,
Não falo somente de mim

Eu cito todas nós

Mas cuidado!
Aprendemos a nos cuidar

Aprendi a lutar sem ver,
Pra apurar meus outros sentidos

Aprendemos a ver as outras
Sem usar os olhos
Meu coração as vê
Minha indignação as tem visto

E tem me doído, homem
Ver o seu prazer

Porque homem é bicho cruel
Que se satisfaz de dor

Mas óh!

Abre o olho!

A gente é ensinada a lutar sem ver
Desde pequena
E o que a gente vai passar a não ver
É a sua dor

Cuidado que mulher é melindrosa
Chega de manso
E quando aprende as manha,
Não tem dó que a faça parar

Cuidado que mulher é meiga,
Mas é perigosa
A gente tá difícil mesmo
Tamo difícil de lidar,
De ouvir calada e de te engolir

Tamo é cansada de cada dia carregar enxada
Pra macho levar aplauso
Tamo cansada de sofrer calada
E tamo ensinando nossas filhas a lutar de olhos abertos,
De peito fechado,
De ouvido apurado que é pra rebater todo e qualquer macho

Resistência e resiliência
É o que tem nos deixado mais forte
Sororidade nunca esteve tão na moda entre nós

Então fica esperto
Que enquanto tiver mulher por perto
O perigo pra tu é certo
Se não souber se comportar

Deixa de ser vacilão
Mulher é além da sua opinião

Mulher é mesmo forte
Então você vai ter que aguentar a pressão

Aprende a me ver
Aprende a se calar antes de falar lerda
Antes de fazer lerda
Porque mulher nunca foi lerda
E mais do que nunca
Agora a gente tá mais esperta

Olha por onde você anda,
Fica esperto
E não vem botar banca

Porque se tinha horror a mulher barraqueira,
É a sua banca que nós vamo tombar

          Ingrid Nogueira.

Frio na esquina

A morte tem passado perto

Eu sinto todos os dias os pingos gelados Daquela face molhada
Em volta de mim
Todos os ventos gelados anunciando
Que ela está pra chegar

Meu aconchego acaba a cada sensação
De que ela me vê

Cê tem noção do que é sentir o frio na espinha
De saber que a qualquer esquina
Ela pode te topar?

Eu não piso em falso
Toda vez que ela cisma de aparecer
O corpo estremece
Arrepia
As retinas doem
Ressecam

É quando me vem a ansiedade
Quando o peito chora calado
E o cérebro perde o rumo

A dúvida do fim paira
E então o silêncio

Eu não sei conversar comigo
Não nesse momento

Eu me calo toda
Calo por que eu sei que dói
São memórias minhas
E dores compartilhadas
E tenho sentido muito
Cada partida
Da morte

Pra ter certeza que a partida não foi a minha
Nem que aceitei um passeio pelo meio dos carros
De mãos dadas com ela

Essa dança eu não quero dançar agora

Prefiro a da corda bamba
Até que eu caia
Pra que ela me ampare
No colo
Sem dor
Num espetáculo silencioso
E bonito
Que seja íntimo

Que essa dança então grite
Todas as coisas que tenho silenciado
No peito

A morte tem derretido
Pela ideia do que é passageiro

Mas ela está impregnada aqui
E seu cheiro confirma

Há tempos ela me dói
Me arranca lágrimas
Que estava guardando pra felicidade extrema

A morte não se compadece de mim
E me dói

Essa noite choveu
Só em mim

Ela me olhou fundo nos olhos
Eu chovi
Me derreti inteira
E respinguei
Trouxe meus pés cansados
E um caminho arrastado
Pra tentar fugir da afirmativa

Porque eu tive medo
Mas calei
Porque eu tive frio
Mas sorri

Porque a ideia da morte me escorre
Por entre os dedos
Assim como o gozo
E por entre os pensamentos
Assim como a do amor

A morte é escorregadia
E dissolve meus momentos calmos

Ela dissolve o cigarro de entre os meus dedos
E o que era quente
Agora congela à simples possibilidade
De que é agora

A morte é calma
E te abraça aos poucos
Ela te deixa ver tudo
Indo embora

E como se você descesse do trem na estação
Você desce dessa viagem

A vida é trem
E cada um tem sua estação
E é tudo tão palpável
Que esperamos não ver

Eu tenho medo da morte
Ao passo que
O coração perde o compasso
E o descompasso dessa dança
É o bom da vida

Mas tenho me encontrado cansada
De fingir confiança
Quando na verdade ando amedrontada

A morte me espera na próxima esquina
E eu dou volta no caminho
Porque eu não gosto do frio

             Ingrid Nogueira.

Do peso que me importa

10

10 quilos

É esse o aumento do meu peso
na balança depois de você.

E ainda assim,
Sendo perceptível visualmente,
É o menos importante que você me acrescentou.

Essa mudança física que veio depois de você
É a menor pela qual eu passei...

Eu te agradeço por cada porção acompanhada de molho,
Por cada cerveja e cada ida ao banheiro, Por cada pizza e as risadas,
Por cada sorvete e os assuntos interessantes.
Eu te agradeço, sobretudo, por tudo mais Que você acrescentou em mim.

Eu agradeço por me ensinar a ser paciente, Por me dar o seu colo,
E por cada vez que me deixou te dar o meu. Te agradeço pelo amor,
Pelo cuidado e carinho...

Hoje eu entendo porque as pessoas dizem que o casamento engorda
O problema é que as pessoas só enxergam o peso físico (que cresce).

E eu vou te falar que por mais que esses
10 quilos apareçam muito no físico e mais ainda na balança,
Eles são muito menores
Que o peso de bondade e amor que você me fez ganhar.

Hoje eu consigo olhar e entender
Que cada cigarro usado com você foi bem gasto,
Que cada escolha ao seu lado foi bem feita.

Eu prefiro o peso que você me acrescentou, Porque é perceptível o quanto eu não era magra apenas aqui fora, não!

Eu sofria com a falta do peso do amor,
E culpava a todos,
E descontava em mim mesma,
Por achar que o amor é exterior
Mas não é não,
Nem eu me amava...

Obrigada pelos quilos ao seu lado,
Os quilos de todos os sentimentos,
De todos os quilos de apoio,
De cortesia, de paz, de brilho no olhar,
De toque sutil, de conchinhas que antes me incomodavam...

Obrigada por não ser só exterior
Apesar de ser lindíssima por fora,
Acima de tudo,
obrigada pelo peso que importa...
Eu te amo!

                Ingrid Nogueira.

Eu já pensei em te escrever,
Pra te falar sobre minhas dores,
Mas você as conhece.

Dói te ver se apresentar vítima
Mas o ar rarefeito de onde você se escondeu te faz acreditar
Que você precisa disso.

Eu sei que não.

Sua dor é fantasia,
Na qual você decidiu viver.

Seu vitimismo é piada,
E me faz rir.

Já tentei entender,
Tentei ser solidária,
Mas sua mentira não é nada convincente. Seu pedido de desculpas não foi nada convincente,
Porque você não se preocupou mesmo com a dor do outro,
Você queria se sentir livre do seu erro,
Seu ego foi maior.

E me doeu te ver egoísta assim.

          Ingrid Nogueira.