sexta-feira, 10 de abril de 2020

Real Demais Pra Fazer Mal

Todos os dias eu tenho ido ao meu limite
Chego lá e retrocedo
Não consigo falar
Não consigo ou não sei me expressar
De toda a angústia que bate no meu peito

É quando me corto em pensamentos
Meu sangue imaginário percorre cada contorno junto à caneta,
E cada tecla do celular

Me imaginei nessa cena tantas vezes
Que já decorei o cheiro
E cada movimento com a ponta da caneta
Que me facilite a visão
Cada vez que eu limparia a tela do celular
Por não mais poder identificar as letras
Até ao ponto de não mais precisar por tê-las decorado a posição

É uma imagem que me ajuda a aliviar
Já me senti bizarra por isso
Por acaso alguém entenderia o que se passa dentro de mim?!
Carrego tantas dores
Que dói acreditar que era delírio
Ou vontade calada

A morte tem batido na porta de desejo
E o medo tem me mantido viva
Talvez

Talvez seja o amor
Ou o anseio de mudar

A caneta sangra meus pensamentos
Sinceros
Transparente
Ela dói
Mas deixa meus sentidos atentos

A caneta
A maçaneta
O papel
Portal
O mundo de fora
O outro lado
Lado de cá
O mundo de dentro

Atravesso
A caneta
Me atravessa
É a ponte pra cruzar

Cada letra
Um passo

Vivo
Me jogo
Perco o ar
Ressucito.

Ingrid Nogueira. 

quarta-feira, 4 de março de 2020

Flores de vidro

Seu saudosismo gritou essa tarde
Erros constantes

Cuidado com a força com a qual
Tem se exposto
Não é bom pra sua imagem

A saudade às vezes acontece
Mas vai com calma aí

Você me fez doer muito
E eu não selecionei o que apagar
Seus detalhes bons também fugiram
E não me dói
Nem bem nem mal

Suas palavras afiadas
Pra iludir com amor
Ou machucar pela sinceridade bruta demais
Já não me tocam

Seu grito é a quebra do vidro
E depois dele,
Só a brisa

Ainda bem que você gritou

Depois da sua partida
- Que já era esperada -
O vento tem cantado
Na minha janela
E é uma canção linda
De liberdade
Sem feridas disfarçadas

Seus estilhaços ainda ficaram no chão
E às vezes brilham no meu teto
É engraçado
Porque não tem cor
É pálido demais
Como o amor que você me ofertou

Você era vidro pálido
Fosco
Sem cor
Sem transparência
E vidro assim me incomoda
Eu gosto do que é transparente
Do que não tem o que esconder

Quando você quebrou
Era bailarina de vidro
E virou pó
Depois que dancei
Descalça por cima dos pedaços
- Não me doeu -

Porque você deixou de existir
Quando decidiu não estar ali

Seus traços
Antes delicados
Como seus passos
Sumiram tão rápido quanto era possível
E então foi ficando sem forma
Assim como as lembranças
Até sumir

Não me doeu
Porque já não enfeitava
A casa de dentro

Ainda bem que eu fui distração
E ainda melhor que eu decidi ir
Porque eu sempre estranhei o fato
De você não projetar as cores
Ao ser atravessada pela luz
Mas é que tem tanta etapa antes disso
E seu arco-íris ainda tem poucas cores

E não te culpo por não colorir
Te culpo pelo lápis branco
Te culpo por fingir
E mais ainda
Pelo que você encenou ser

Eu culpo pelas mentiras
E ainda mais pelas dores consequentes
Pelas palavras inconsequentes
E pelos sorrisos profanos
De quem engana e não se dói

Essa tarde seus gritos foram estridentes demais
Mas eu juntei seus restos e os calei
Coloquei numa caixa de papelão
Pra que não machuque mais ninguém

Se engana se pensa que guardei de lembrança
De você a mínima lembrança é dolorosa
Eu enterrei bem longe
Pra ninguém encontrar e correr o mesmo risco que eu corri
Eu também quebrei,
Estourei e escorria
Alimentei meu campo
E reflori

Te escondi
Por não merecer o brilho do dia
E menos ainda
A brisa que chega à noite

Não quer dizer que sou má
Só que você ainda não merece

Mas vai que um dia,
De tanto deteriorar
Você entenda o proceso
Que é de alimentar a sua terra
Que é a dor de morrer
Pra só depois
Merecer renascer
E florir.

Ingrid Nogueira.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

A travessia

Eu tenho doído
E posso assegurar
Que a dor do amor não dói tanto
Que essa dor parece imensurável
Já a dor amor 
(ou a do fim dele, aquela de se transformar em outra coisa)
Na verdade não dói
Arde

O amor deixa marcas
Mas essa dor que tenho sentido
Dor de uma outra coisa
Ela me cala
E não deixa vestígios
Não me deixa nem respirar em paz

É uma dor funda
Inflamada
Ardida
E marcada

É uma angústia que parece que não tem fim

Eu tenho doído
Mas não tenho chorado
Porque essa é uma dor perdida
Daquelas que são capazes de desnortear
Se é que você me entende
Daquelas que doem taanto
Que te fazem perder a noção do tempo

Uma dor de fim
Mas que fim é esse que nunca chega?!
Se eu nunca fui forte demais
Pra vê-lo chegar

Uma falta de ar
Acompanhada da fiel escudeira
Uma dor profunda no peito
Que parece que vai te matar

E o pensamento é esse mesmo:
"- Se dessa vez não acabar por si,
Eu mesma dou um fim nela"

Dá o que?!
Falta coragem
Mas também falta tesão em ficar
Falta curiosidade do lado de lá
Mas também coragem do lado de cá

O que sobra é o medo
Que a cada dia me sufoca um pouco mais
Que é o que me faz bater essa dor
É o que me causa a ânsia
Que me leva ao ímpeto do quase
O que me traz o gosto
E o que me faz não partir

Não sei se vou voltar.

Ingrid Nogueira. 

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Lembrança da janela

Lá no bordel era lei,
A gente não conseguia nem se vestir de tudo,
Era tanta energia,
Tanto calor e sedução e beleza... 

Eu lembro dessa encarnação... 

Você também estava lá.
Eu lembro dos teus olhos.
Eram tantos corpos,
Mas não podíamos ter o que desejávamos,
Porque não era bem visto.

As orgias,
Eu lembro dos seus olhares,
Era quando conseguíamos trocar nossas carícias pessoais.

Eu sempre te esperava chegar dos seus chás,
Te esperava na janela.
Namoradeira não! 
Não éramos mulheres com quem se namorasse... 

Eu te esperava mulher da vida,
Puta, dada aos prazeres...
P'ros homens era propaganda dos serviços, 
Pra você era mulher!

Me lembro ainda do medo,
Da vontade,
Dos quase... 

Lembro quando você me ensinou a fingir,
E de como você não conseguia fingir pra mim. 
Eu lembro também do basta,
De quando fomos apanhadas,
De quando você me trancou,
De quando rasgava as minhas roupas de urgência, 
Eu lembro de quando me proibiu de me vender,
Eu lembro bem daquela noite,
Daquela briga... 

Lembro de quando você me olhou 
Da mesma janela onde eu costumava te esperar ansiosa... 
Eu era quem olhava de fora agora,
Sinto ainda o ardor no peito,
Eu sinto a dor.

A do tiro, e ainda mais a da posse, a da traição... 
O gosto do sangue,
A perda da égua de entre meio as pernas,
A sua perda do peito,
Você fez, com aquele tiro, uma porta de saída, 
Você foi embora de mim junto com o sangue que me escapava.

Eu sinto ainda hoje as lágrimas que te escorreram dos olhos
E que caíram na minha testa, 
Bem no lugar onde você me beijou... 

Eu te perdoei, 
Lembro bem disso... 
Eu te amei,
E ainda nessa vida,
Eu te amo.

Não corro o mesmo risco.

Ingrid Nogueira.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

As palavras sumiram
Escrever dói, sabia?

Dói por te colocar na frente do espelho
Por te fazer colocar pra fora
E é aí que a realidade não pode ser fingida

Dói por ser o famoso tapa de luva
Por te fazer ver, além de saber
Te faz sentir muito mais que calar

E calar é a tentativa de tapar a ferida
De estancar o sangramento que continua
A rolar e afogar seu interior

Escrever é mais que só falar
É se obrigar a nadar
A dar sempre a próxima braçada
Mesmo que seus músculos todos dêem sinais de que não suportam mais

Porque é nessa hora
Que a palavra te mostra a força que têm
É aí que ela te obriga a se salvar

Escreve pra viver
E mais que isso
Escreve quando não mais quiser viver
Quando não suportar estar vivo
Nessa hora, redige quase um livro

A palavra te invoca
Pra escrever
Pra reviver
Pra sentir
Pra doer
E lembrar de respirar
Lembrar da dor
Lembrar do choro
Do choro de alegria também
Lembrar que dói,
Mas que pode fazer bem

Escrita é alegria
Mas também é choro
É voz, mas também é silêncio

É tão oposto
Que chega fazer gosto
Quando se pode olhar
Enquanto alguém escreve
Expresso o sentimento no rosto

Escrever transparece

E às vezes a gente se recusa a olhar
A gente tem medo da gente
Medo da gente mesmo se decepcionar

Ingrid Nogueira