sábado, 1 de fevereiro de 2020

Lembrança da janela

Lá no bordel era lei,
A gente não conseguia nem se vestir de tudo,
Era tanta energia,
Tanto calor e sedução e beleza... 

Eu lembro dessa encarnação... 

Você também estava lá.
Eu lembro dos teus olhos.
Eram tantos corpos,
Mas não podíamos ter o que desejávamos,
Porque não era bem visto.

As orgias,
Eu lembro dos seus olhares,
Era quando conseguíamos trocar nossas carícias pessoais.

Eu sempre te esperava chegar dos seus chás,
Te esperava na janela.
Namoradeira não! 
Não éramos mulheres com quem se namorasse... 

Eu te esperava mulher da vida,
Puta, dada aos prazeres...
P'ros homens era propaganda dos serviços, 
Pra você era mulher!

Me lembro ainda do medo,
Da vontade,
Dos quase... 

Lembro quando você me ensinou a fingir,
E de como você não conseguia fingir pra mim. 
Eu lembro também do basta,
De quando fomos apanhadas,
De quando você me trancou,
De quando rasgava as minhas roupas de urgência, 
Eu lembro de quando me proibiu de me vender,
Eu lembro bem daquela noite,
Daquela briga... 

Lembro de quando você me olhou 
Da mesma janela onde eu costumava te esperar ansiosa... 
Eu era quem olhava de fora agora,
Sinto ainda o ardor no peito,
Eu sinto a dor.

A do tiro, e ainda mais a da posse, a da traição... 
O gosto do sangue,
A perda da égua de entre meio as pernas,
A sua perda do peito,
Você fez, com aquele tiro, uma porta de saída, 
Você foi embora de mim junto com o sangue que me escapava.

Eu sinto ainda hoje as lágrimas que te escorreram dos olhos
E que caíram na minha testa, 
Bem no lugar onde você me beijou... 

Eu te perdoei, 
Lembro bem disso... 
Eu te amei,
E ainda nessa vida,
Eu te amo.

Não corro o mesmo risco.

Ingrid Nogueira.

Nenhum comentário :

Postar um comentário