sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Póstumo

As minhas asas secaram,
e eu não me sustento mais de pé,
eu não tenho mais
equilíbrio suficiente.

Como uma árvore seca,
o que ficou foram as estruturas,
os galhos que emergem de
dentro de mim.

Minha coluna dói,
ela entorta com o vento,
eu nunca tive estrutura,
e toda aquela penugem
escondia isso.

Eu gostava de
como eu parecia ser,
mas eu sabia que
era muito menos que aquilo.

Então eu dei um fim,
eu fui embora,
eu estou indo embora,
mas ninguém sente isso,
por que a realidade
é que não fazia diferença.

Eu me perdi,
eu sequei,
eu mirrei,
mas não faz diferença,
porque o fim está logo ali.

Agora o frio já
não é mais um castigo,
nem o calor,
a pressão arterial aumenta,
jogando todo o sangue do corpo pra fora,
o que era pra me defender,
caiu na armadilha,
eu estou indo,
e minha visão fica turva aos poucos.

Eu não escrevo sobre amor
há um bom tempo,
e eu não vou mais escrever sobre nada,
mortos não escrevem,
eu não vou lançar obras póstumas,
porque mortos não escrevem.

As palavras,
que antes me eram amistosas,
que voavam em torno de mim,
agora me desconhecerão,
eu ecoarei em sons,
que nem sempre farão sentido,
mas serei eu,
em essência,
pura, limpa,
transparente,
com a certeza de que não
iludo a ninguém,
e principalmente a mim.


                         Ingrid Nogueira.

Olhar que desfaz

Eu me sinto desfazer,
e não tem ninguém olhando,
eu não preciso de plateia pra isso,
eu me desfaço calada.

Eu me desfaço no escuro,
e ninguém sabe
porque qualquer um tentaria impedir,
mas o propósito não é esse?
Encontrar o fim?...

A gente brigou,
a culpa foi minha,
e eu nem sei bem
explicar o meu motivo.

Eu tenho medo de te perder,
e eu sei que é o que vai acontecer,
porque a vida só está começando
e eu já quero parar por aqui...

Existe uma linha aqui,
e ela precisa ser mostrada,
existe um carmim,
e ele precisa respirar.

A dor que os prende,
que os tapa,
me sufoca,
e eu não vou mais
alugar o meu corpo pra eles.

Eu sei que ela
não vai estar aqui quando
todo esse vermelho jorrar
e ela não vai estancar...

O vazio vai voltar a doer,
ele vai ser minha única companhia,
eu vou com ele pro silêncio.

A dor vai passar,
e depois,
o frio vai parecer familiar,
a gente vai se abraçar
e ser um só
eu vou emprestar
a minha voz pro vento
pra ele soprar
e fazer ela lembrar de mim.

A neve vai ganhar uma cor nova
quando ela souber,
lá de onde ela estiver,
que foi opção dela não me salvar,
quando ela souber
que era a única que
poderia me impedir de partir,
que seus braços poderiam
ter me feito desistir,
e que seu calor teria
me impedido de liberar
todo o carmim.

A lâmina que eu carrego comigo
é muito afiada,
e não dá chance de desistir,
mas o olhar dela
me faz sentir quando a lâmina
se derrete em contato com a minha pele,
que fervilha a simples possibilidade.

Eu tenho uma lista de
tentativas frustradas,
eu me conservo viva,
nesse cinza,
na esperança de
poder tê-la,
e de não mais ser
um outro alguém vagando
e tentando encontrar o fim.

                     Ingrid Nogueira.